27 de abril de 2012

Silêncio


Eram 22h, dirigi-me para a casa de banho e liguei a torneira da água quente, no máximo. Na banheira coloquei gel de banho, para formar espuma. De seguida, comecei a despir-me: retirei o blusão azul, o básico azul mais intenso, o soutien castanho estampado a verde, as calças verdes estampadas com flores azuis e roxas, as meias cor de rosa e as cuecas pretas. Depois de já estar completamente despida penetrei na espuma que boiava sobre a água quente. À medida que ia imergindo na água, o meu pensamento abstraia-se do real. Naquele momento, todo o meu pensamento se concentrava num só momento - o momento perfeito:

Lá estava eu, sentada, na habitual manta magenta, no meio da relva. Quando lá cheguei, ao pé da enorme raiz de um carvalho velho e apodrecido, reparei que havíamos deixado para trás, na passada tarde, vestígios da nossa presença ali. Será que alguém dera por isso? Penso que não, se alguém o tivesse feito já teríamos sido descobertos, o que não poderia acontecer, de modo algum! Corri para junto da raiz e apanhei o papel de embrulho esbranquiçado, coloquei-o de imediato dentro da mala. Nesse instante, recordei o nosso último encontro - cheguei atrasada, o que não era habitual, aproximei-me de ti e pedi-te imensas desculpas pelo atraso, retorquiste de imediato (quase nem me deixando acabar): “Tive medo que não viesses, temi que já não quisesses mais estar comigo!”, não deixando de me envolver, abracei-me a ti e deixei que o desejo com que me olhavas me penetrasse; nada fora em vão! Colocaste a tua mão na minha face, fazendo-me carícias. Por momentos, senti-me realizada, completa… Tu tinhas (e continuas a ter) esse poder em mim! Senti uma enorme onda de prazer. Quando dei por mim, os nossos lábios já se tocavam. Aquele beijo era como fogo! Assim que afastei as tuas mãos da minha face, olhaste-me, confuso…
- Que se passa? - perguntaste, sem perceber o porquê do meu gesto.
- Não me sinto capaz de continuar com isto! - retorqui, cabisbaixa.
- Já não gostas de mim?
- Se eu gosto de ti? Mas é claro que gosto, e muito! Achas que se não gostasse teria aceite isto: encontrar-me contigo, às escondidas de todos?
- Não sei… Pela maneira que me olhas, parece que já não crês naquilo que nos une.
- Sabes bem que não é isso. Duvido sim, mas daquilo que me dizes… daquilo que afirmas sentir!
- E porque duvidas tu, de mim?
- Porque duvido, eu, de ti? Porque não és capaz de encarar a realidade a dois, não és capaz de admitir aquilo que sentes… isto é, se o sentires de facto!
- Não percebo… Já te disse que gosto de ti e estou aqui, contigo. Que queres mais?
- Quero que não tenhas vergonha de mim, quero que acredites naquilo que me dizes.
- É complicado… Já sabes disso, desde o início.
- O que é que é complicado? O facto de teres vergonha de mim, ou daquilo que sentes?
- Não! A sociedade onde nós vivemos é que é complicada, e muito!
- Importas-te assim tanto com a opinião dos outros?
- É claro que me importo, tu não?
- Eu importo-me, sobretudo, com aquilo que eu quero! O que os outros dizem, pouco ou nada altera a minha visão sobre as coisas, sobre o mundo.
- Gostava de pensar assim, como tu… mas, não me sinto capaz…
- Não te sentes capaz de quê? De aceitar os teus próprios sonhos?! É pena…
- Eu aceito os meus sonhos, não consigo é lutar pelos meus objetivos.
- É triste quando alguém se auto destrói, sem tentar, pelo menos, alcançar a meta…
- Eu já tentei, e falhei! Queres saber o que temo, na realidade?
- Diz lá… Já não tenho nada a perder.
- Temo não conseguir dar-te aquilo que queres; temo não me conseguir auto realizar; temo, acima de tudo, magoar-te!
- Magoada, já eu estou…
- Era disto que eu tinha medo! Nunca te quis magoar…
- Já o fizes-te…
- E agora, que posso eu fazer?
- Tu, nada… Eu é que não deveria ter aceite isto. Ao fazê-lo estava a iludir-me…
- Jessica, olhas para mim? - colocaste, novamente, as tuas mãos na minha face e fizes-te com que te olhasse nos olhos.
- Já estou a olhar… - deixei escapar uma lágrima.
- Porque choras? - olhaste-me bem no interior do meu ser, preocupado.
- Porque, mesmo magoada, não deixo de te admirar… não me sinto capaz para deixar de gostar de ti. Apesar de tudo, sempre me tratas-te bem… sempre me fizes-te sentir confortável e, completamente, à vontade quando estou contigo.
- Continuo a dizer-te que és especial, que és importante e que gosto muito de ti! - abraçaste-me com imensa força, como se fosse tua pertencente.
- Não percebes que é isso mesmo que me magoa? Que é o facto de me dizeres isso tudo e de agires de formas que nem eu percebo que me transtornam? - pela primeira vez, consegui desfazer o abraço que me prendia a ti.
- Mas é o que eu sinto, é a verdade… não consegues compreender isso?
- Compreender, até consigo!
- Então, para que é isto tudo?
- Para ficares a saber que não me és nada indiferente!
- Mas já o sei, há muito tempo… - limpaste-me as lágrimas que circundavam os meus olhos, beijando-me, levemente, a face rosada.
- Obrigada por me fazeres sentir bem. - abracei-te.
- Já quase me esquecia… - aproximaste-te da tua mala e tiras-te de lá um embrulho, meio amarrotado.
- O que é isto? - peguei no embrulho e olhei-o, por completo.
- É para ti, para nós, abre…
Comecei a desembrulhar até que fiquei apenas com uma caixinha nas mãos. Olhaste-me, novamente, e pediste-me que abrisse a caixa, assim o que fiz. Ao abrir a caixa, não queria acreditar no que os meus olhos viam…
- O que significa isto? - fiquei admiradíssima com o conteúdo da caixa.
- Significa que és tão importante para mim como todos os momentos que passámos juntos, seria incapaz de me esquecer deles…
- Queres que ta ponha? - peguei numa das pulseiras, ambas tinham a raiz de um carvalho gravada.
- Sim, claro que sim.
De seguida, pegaste-me na mão e puseste a outra pulseira. Agora, estávamos ligados. A tarde já havia acabado, tínhamos de ir embora. Na relva ficou, solitário, o papel de embrulho. -, um encontro que jamais esquecerei. Já sentada, comecei a ler o romance que trazia na mala.

Respirei fundo e retirei a cabeça da imensidão branca, da espuma… a água já estava fria, como se nunca estivesse estado quente. Ausentei-me da banheira e retirei do toalheiro duas toalhas, uma para o corpo e outra para o cabelo. Embrulhei o cabelo na toalha mais pequena e cobri-me com a outra. No preciso momento em que me olhei ao espelho, reparei que tinha a cara lavada em lágrimas. No meio de tanta tristeza, soltei um sorriso! Um sorriso que valerá agora, e sempre, mais que ouro; um sorriso que simboliza a junção de duas almas, mentalmente (como sempre).




Desculpa ter escrito isto, mas estava mesmo a precisar. Tudo aquilo que eu sempre quis foi ter-te como amigo e bem, nem isso eu consegui…

2 comentários:

  1. Um sorriso te pura felicidade. Já é tão bom só ver sorrir... E quando se contagia? Hum! Delicia!
    Um beijinho *

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